AS HÓSPEDES DA VOVÓ URÍ
Lá
em Cláudio, no interior de Minas, é onde morava a vovó.
Na
casa da vovó, tem um pedaço de mim.
Dormi
no quarto dos fundos, onde todo mundo dormia, quando visitava vovó. Era o
quarto de hóspedes, que a vovó com muito gosto, reservou para mim.
Certa
vez, quando cheguei, outro hospede já havia se instalado. E vovó, desavisada,
mandou que eu ficasse por lá. O outro hóspede não gostou. À noite, já na
madrugada, entrou sorrateiro, se escondeu nas dobras das cobertas e dos lençóis
e por lá ficou em silêncio.
Esperou
que eu me sentisse confortável e então me atacou. Cravou-me as mandíbulas nas
costas, nas nádegas, no corpo inteiro! Doía e coçava tanto, que eu quase não
aguentava! Ao amanhecer, meu corpo estava todo marcado de tanto eu me coçar!
Quando
me lembro, ainda coça, como se ainda estivesse por lá.
O jantar começava às 5 da manhã. Tinha formiga na cama.
A formiga era o hóspede e eu era o jantar.
Formiga invisível, fantasmagórica. De tão pequena, não podia
ser vista a olho nu, mas podia enlouquecer qualquer um que se deitava no seu
ninho.
Formiga mineira, formiga tinhosa, traiçoeira, chegava de
mansinho, devagarinho, parecia não querer incomodar.
É assim que ela age - se aconchega, faz cosquinha, então dá o
bote.
Faz tudo na surdina! Na calada da noite se instala, na hora
do sono se farta.
Invade o espaço sob as cobertas, com as mandíbulas afiadas,
toxinas apuradas, craw. O freguês está no papo.
Formiga vampira, bicho esquisito, xô assombração, sai para
lá.
Na casa da vovó não tem cachorro, mas tem formiga dentuça,
pior que o cão!
Não tem cara, não tem cheiro, não tem coração. Tem apetite,
voracidade e sabe ser má.
Hoje a vovó não mora mais lá. Hoje ela mora no céu, bem longe
das formigas. Mas na casa da vovó, ainda tem um pedaço de mim!
José Assunção da Silva
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