Hipocrisia


A Hipocrisia da Compensação

A mídia, noticia com frequência, recorrentes e tristes histórias de desrespeito, que ainda ocorrem nos dias de hoje, contra os negros, contra os índios e contra os pobres. Todos, indistintamente, independentemente de sua raça, credo ou ideologia política, são tratados com reservas e invariavelmente, vistos como perigosos!

Aliás, na visão de seus algozes, pobre, negro e índio, não são capazes de escolher sozinhos, os seus próprios caminhos. Não têm ideologia!

Acreditam que todo índio é preguiçoso, todo negro é macumbeiro e ladrão e todo pobre é pedinte.

De certa forma, parte dessas crenças se concretizam, porque a sociedade não deixa margem de ação que os direcione para outro caminho. O sistema os empurra na direção do marginalismo, tirando-lhes toda e qualquer oportunidade do soerguimento e do encontro com a dignidade. Resta lhes, sucumbir à dura convivência com o submundo. É por isso que surgem os “Lázaros" e tantos outros!  Atos praticados por pessoas, que em sua essência, talvez não fossem assim tão ruins, mas que diante das cruéis opções disponíveis, vêm-se relegados à única camada da sociedade que lhes resta.

Muitos mergulham no uso sistemático de drogas. Depois passam ao furto, pequenos delitos aqui e acolá, e então progridem na carreira abominável do crime! Passam então a serem conhecidos, simplesmente como delinquentes, bandidos, assassinos e outras tantas denominações, quantas lhes possam imputar, exceto aquelas, que em sociedade mais equilibrada, simplesmente designariam pessoas.

Porém, eis que surge, vez por outra, alguém desprendido das amarras da soberba e da truculência, que sabe tratar com respeito, que consegue perceber a semelhança apesar das diferenças e é capaz de sentir empatia e solidarizar-se.

Surgem os reparadores de crimes alheios, que tentam compensar de alguma forma, as atrocidades abertamente cometidas no passado. E, nesse contexto, surgem as adoções, as bolsas disso ou daquilo, vistas por muitos como conquistas, mas que se configuram mais com migalhas, se comparadas às perdas acumuladas.

Surgem também, os oportunistas que sempre se engajam em causas nobres, para tirar proveito da boa imagem que o suposto engajamento possa lhes conferir.

Recentemente, me deparei com uma fotografia na internet, legendada com referências muito amáveis, de um pai, dirigidas à sua filha adotiva, uma linda criança negra! Certamente, a cena arrancou muitos aplausos e elogios. Afinal, trata-se de uma celebridade global, altamente prestigiada!

Destaque-se, que a evidenciação do episódio por parte da mídia, fê-lo parecer um acontecimento inusitado, como se fosse incomum, a cena de carinho entre pais e filhos. O inusitado, no caso, é que se trata de um pai branco e uma filha negra. Um pai rico e uma criança resgatada da pobreza, até então, desnutrida e sem qualquer perspectiva de futuro!

Não se questiona o amor demonstrado pelo pai, mas, incomoda a reação da mídia, quanto à forma de noticiar o acontecimento, como quem, em letras garrafais diz: Nós apoiamos a iniciativa desse cidadão! Na verdade, o veículo de comunicação é quem está se promovendo, utilizando se da divulgação de um fato trivial na vida de qualquer família.

Ainda bem, que o gesto generoso desse pai, pode propiciar a essa criança, a oportunidade de uma vida digna, quiçá glamorosa! Neste caso, a sociedade pode e deve aplaudir de pé!

Mas, é preciso ficar atento, porque em nome da filantropia e da reparação de danos, existe de fato, muita promoção pessoal e pouca ação efetiva, para correção dos males causados a essas pessoas, sobretudo, no passado, veladamente, ainda nos dias de hoje.

Ainda na seara de alerta, é preciso entender, que o mundo por si só, já é suficientemente cruel, para aqueles que lutam, combalidos, por mera sobrevivência. Não precisa mais de hipocrisia as custas dessa gente que sofre a séculos, só porque sua pele tem mais melanina!

 

José Assunção da Silva

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