PASSAPORTE REVERSO

Volta ao Passado

Qualquer dia desses, embarco na nave do tempo e volto ao passado. Já faz algum tempo que cheguei aqui, no futuro, mas ainda não estou muito à vontade com os costumes deste lugar.

O ambiente não é dos piores! Tenho um orçamento equilibrado, horários bastante maleáveis, de vez em quando faço uma viagem, tenho até um tempinho para ficar à beira da piscina, sem qualquer preocupação. Enfim, temos algumas regalias.

A maioria das pessoas nos olha com respeito, às vezes com admiração, e até com uma certa dose de gratidão. Provavelmente, por reconhecerem que ainda exercemos algumas atividades que lhes fazem bem, livrando-os de tarefas enfadonhas e pouco prazerosas.

Sao predominantemente jovens. Descendem de nós, mas têm costumes muito diferentes dos nossos! Eles são muito dinâmicos. Mais do que isso, são excessivamente agitados! Não toleram nossa boa e calma música, não apreciam o silêncio! Não param em um lugar por muito tempo, estão sempre buscando atalhos. Comem em seus quartos, por lá deixam pratos e copos sujos sem qualquer constrangimento! Quando acordam, não se preocupam com a arrumação de seus próprios quartos. Levantam-se despreocupados e vão para as academias cultuarem o que mais valorizam; o corpo.

Alguns trabalham, conseguem sucesso em suas carreiras, mas parecem não dar muito valor a elas. Tratam o trabalho com um certo desprezo. São muito confiantes!  Carregam nos bolsos pequeninas e poderosas máquinas e com elas interagem vinte e quatro horas por dia! Parece que ali dentro tem tudo do que precisam!

São dois mundos diferentes vividos ao mesmo tempo. Nosso futuro é o presente deles. Então, de certa forma, somos intrusos nesse mundo moderno!

Isso nos causa um certo desconforto. Não podemos, em nome do bom relacionamento, ajustar nossos costumes ao frenesi dessa vida agitada. Nem tampouco, queremos ser cobrados pela agilidade que já não temos.

Outra coisa que nos incomoda é a ausência de perspectivas a longo prazo! Quando de minha janela miro o horizonte, ele me parece tão próximo, que até me assusta! Talvez seja só impressão minha. Talvez eu não tenha ainda me acostumado com o poder das robustas lentes do futuro. Elas são  muito potentes. Talvez, isso nos dê a impressão de estarmos muito perto das coisas. De certa forma, isso parece ser um ponto positivo, mas assusta um pouco, porque não nos permite um olhar de longo alcance. Parece que o mundo acaba logo ali!

Se eu conseguir o passaporte, volto correndo ao passado.  Paro em torno dos vinte e cinco ou trinta anos de idade e por lá eu fico. Minha mala está pronta. Daqui levo apenas a experiência que adquiri.

Sei que não precisarei de mais nada porque lá tenho muitos amigos. Com eles e a experiência que levo na bagagem vou conquistar o mundo!

Espero encontrar todos. Sei que alguns deles seguiram outros rumos, por isso não os vejo aqui, mas lá, vou reencontrá-los, com certeza!

Se tudo der certo eu vou. Mas, por precaução deixarei aqui, alguns itens que acumulei, para o caso de possível retorno. Vou deixar a hipertensão, a dor nas pernas, a memória fraca, a "sensualidade" de meu abdômen, a peruca descabelada e um par de óculos.

Depois, vou cancelar a consulta ao geriatra e pegar meu caminho de volta. Adeus futuro, estou voltando!

 

José Assunção da Silva

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